"Somos uma maneira do Cosmos conhecer a si mesmo" (Carl Sagan)

"Somos uma maneira do Cosmos conhecer a si mesmo" (Carl Sagan)

domingo, 1 de julho de 2018

Genética, Epigenética e Maternidade

O ser humano já nasce predeterminado a ser uma pessoa boa ou má, tranquila ou agressiva? Existe o determinismo genético (vulgarmente chamado de "pau que nasce torto")? Qual o papel do ambiente e das relações afetivas na formação do indivíduo? O quanto uma mãe é importante no desenvolvimento da personalidade de uma criança? A genética e a epigenética estão elucidando essas questões...

Em primeiro lugar, gostaria de avisar que vou usar alguns termos técnicos nesse artigo, mas o não conhecimento desses termos não afetará seu entendimento. Agora, se você quiser entender mais à fundo essa questão, do ponto de vista genético e molecular, sugiro que leia os seguintes artigos antes:


Se você não entende nada de genética e não faz ideia do que seja a epigenética, aqui vai uma pequena ideia, uma simplificação para seu entendimento: seus genes são estruturas dentro de suas células que determinam quem você é, principalmente no aspecto físico. Então se você é branco, negro, homem, mulher, louro, ruivo, alto, baixo, se tem diabetes ou não, se é míope ou não, enfim... todas as características que você possui são determinadas pelos seus genes. Essa é a parte fácil, a parte que todos conhecem. O problema é que seus genes podem ser "ligados" ou "desligados" por diversos fatores ambientais, como a nova ciência chamada "epigenética" tem descoberto. Alimentação, hormônios, fatores físicos e emocionais podem alterar o funcionamento desses seus genes. Sacou? Se alguém quiser entender mais sobre o assunto, eu recomendo o livro abaixo, o qual é bastante didático. Inclusive, o experimento em questão que vou mencionar aqui é muito bem descrito nesse livro.


Nos estudos em questão, os pesquisadores resolveram testar o quanto o estresse influencia o comportamento de ratinhos de laboratório. O estresse provoca a liberação de hormônios chamados "glicocorticóides". O cérebro dos mamíferos (de ratinhos a seres humanos) apresenta receptores para esses glicocorticóides. Quanto mais receptores um indivíduo possui, melhor ele consegue metabolizar essas substâncias e, consequentemente, melhor ele consegue lidar com as situações estressantes. Até aí, nada demais. O que há de incrível nesse estudo é que, ao estudar os ratinhos, os pesquisadores constataram que uma boa mãe, com seu carinho, leva à desmetilação de genes produtores dos receptores para glicocorticóides no cérebro. Esse processo epigenético permite a ligação de um fator de transcrição no gene, que aumenta a produção de receptores. O aumento desses receptores está ligado a um feedback negativo na ação dos glicocorticoides, levando a uma reação menor em relação ao estresse. Ou seja... traduzindo... os ratinhos filhotes foram submetidos a situações estressantes. Quando eles corriam até suas mães e essa os tratava com carinho e afeto (constatada pelas lambidinhas que ela dava em seu filhote para acalmá-lo), esses filhotes tinham genes ativados e produziam mais desses receptores cerebrais, conseguindo lidar melhor com o estresse de uma próxima vez.
Agora o mais incrível, talvez, seja o seguinte fato: Ratinhos que não tinham mães "lambedoras", não produziam tais receptores e, consequentemente, não reagiam bem a situações estressantes, desenvolvendo vários tipos de transtornos na fase adulta, como ansiedade, depressão, agressividade, etc. Entretanto, se esses filhotes fossem retirados do convívio com suas mães biológicas e colocados para viver com mães lambedoras (carinhosas), essa situação se revertia. Da mesma forma que se o filhote de uma mãe lambedora (carinhosa) fosse retirado de seu convívio e colocado com uma mãe insensível, ele não conseguia desenvolver receptores para o estresse e crescia com os problemas citados. Através desses estudo, parece-nos óbvio que o cuidado parental (tanto materno, quanto paterno, embora esse ainda esteja sob estudo), seja responsável por uma melhor reação da criança ás adversidades de sua vida, tornando-a uma pessoa mais ou menos apta a conviver socialmente, dependendo de como foi sua criação.

Outra questão explorada nos estudos, é que maus cuidados maternos geram menos receptores de estrogênio nas fêmeas por mecanismos epigenéticos. Fêmeas com menos receptores são insensíveis à maternidade e são mães menos dedicadas, perpetuando o ciclo por gerações. Ou seja... se uma fêmea é maltratada por sua mãe, tem grandes chances de também não ser boa mãe. Os problemas gerados por negligência materna podem, entretanto, serem solucionados pela introdução de um ambiente enriquecido (alteração do ambiente social). Em casos difíceis com auxílio de medicação. Mas alguns casos mais graves não tem mais jeito mesmo. Daí o imprescindível fato de que as crianças devem ser tratadas com carinho, afeto e atenção nesses primeiros anos de vida.

Em outro estudo, filhos de mulheres que sofreram TEPT (Transtorno do Estresse Pós-traumático) se tornaram mais propensos a desenvolver o mesmo distúrbio, mesmo sem ter vivido diretamente o episódio. Mulheres que estavam grávidas no atentado do WTC deram a luz bebês com uma reação ao estresse exacerbada e hipersensibilidade do eixo do estresse. Essas crianças são mais suscetíveis à ansiedade, depressão e até TEPT do que as nascidas de mães que não sofreram o TEPT. Percebem o quanto o bem-estar de uma mulher é tão importante durante a sua gestação? Aquilo que ela sofre enquanto grávida pode influenciar a nível genético a saúde futura de seu filho.


Nos anos 1950, Harry Harlow, Universidade de Wisconsin, realizou um experimento acerca da ligação emocional do bebê com a mãe, através de macacos Rhesus. Para isso, ele usou macacas falsas feitas puramente com arames e outras atoalhadas. As de arame possuíam mamadeiras anexas e as atoalhadas e felpudas não. Como resultado, os bebês mamavam na macaca de arame para matar a sua fome, mas passavam mais tempo aconchegados na felpuda, mostrando que o alimento não é o que gera a ligação. Esses bebês apresentavam níveis de estresse elevados e dificilmente eram ressocializados. As fêmeas se tornavam mães negligentes ou até mesmo agrediam seus filhotes. O vídeo deste experimento pode ser visto abaixo:


Em primatas, além das mães, os pais também desempenham papel importante na criação dos filhos. O cuidado paterno e seus efeitos no comportamento emocional ainda não foram muito bem estudados. Mas os dados de estudos sobre abusos contra crianças e sobre a transmissão social desses abusos mostram a importância do papel paterno. Há um estudo que mostra a correlação entre o hormônio regulador do estresse e os níveis relatados de cuidado paterno, não só materno. Entretanto, há a necessidade de uma maior investigação quanto a isso.

Em tempo: Conforme escrevia essa postagem, esbarrei com um artigo publicado pelo Salk Institude (EUA), dizendo que certos "genes saltitantes" (chamados de transposons - a explicação sobre isso fica para outro artigo) podem ser ativados em filhotes devido à negligência materna. Com isso, ocorrem modificações no "mapeamento genético cerebral", provocando alterações em seu funcionamento. Desordens mentais podem ser o resultado deste fenômeno de alterações aleatórias nos genes cerebrais. Novamente, é apenas um estudo. Vários outros serão ainda necessários.

Como podem ver, a ciência não tem todas as respostas ainda. Mas os estudos tem demonstrado uma tendência nessa direção. Talvez o modo de vida de cada um (alimentação, modo de vida, estresse, etc) forneça micro ambientes celulares capazes de gerar modificações epigenéticas em genes produtores de hormônios, o que levaria a alterações comportamentais. Isso constituiria a personalidade e o caráter de cada um. Nesse sentido, o caráter de um indivíduo não seria predeterminado geneticamente, mas sim moldado de acordo com suas vivências sociais. Mais uma vez, como visto nesse artigo sobre natureza humana, teríamos um argumento a favor da não existência dessa tal natureza. O ser humano seria, na realidade, fruto do meio social. Dá o que pensar, não?

Nenhum comentário: