"Somos uma maneira do Cosmos conhecer a si mesmo" (Carl Sagan)

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domingo, 19 de novembro de 2017

Acessando a Informação Genética

Dando continuidade à nossa jornada rumo à epigenética, hoje entenderemos como a informação genética é armazenada e acessada em cada uma das células. Primeiramente, precisamos conhecer o núcleo celular. O núcleo é o local onde todo o nosso material genético é armazenado. É delimitado por uma membrana chamada de carioteca (ou membrana nuclear), a qual é atravessada por vários poros, que permitem a troca de substâncias entre o interior do núcleo e o citoplasma celular. Em seu interior, há uma região chamada de nucléolo, o qual é responsável pela síntese de ribossomos (que por sua vez são responsáveis pela síntese de proteínas). Esses ribossomos podem ser encontrados aderidos à própria carioteca, ao Retículo Endoplasmático Rugoso (organela celular responsável pela produção de proteínas para exportação) ou simplesmente soltos e dispersos pelo citoplasma celular.
Detalhes do Núcleo: carioteca, poros, nucléolo e cromatina

Ainda no interior do núcleo, como pode ser visto na imagem acima, temos uma molécula completamente enrolada, a chamada cromatina. A cromatina, nada mais é, do que um filamento de DNA enrolado em proteínas chamadas histonas. Para facilitar a compreensão, imagine que você tem um filamento de barbante de 200m de comprimento, totalmente embolado no interior de uma sala. Se eu solicitar que você o desembole pra acessar uma informação em seu interior, terá certa dificuldade. Pra facilitar seu acondicionamento nessa sala, imaginemos então que você pega esse barbante, mede 2 metros e o enrola algumas vezes num pedaço de madeira. Então você dá um espaçamento de mais 2 metros e o enrola novamente em outro pedaço de madeira. Você repete o procedimento várias vezes até a extremidade do barbante.  Ao final do processo, você terá algo muito menos volumoso no interior da sala, um barbante compactado, enrolado em vários pedaços de madeira. Aquilo que deveria ter um comprimento de 200m, talvez tenha agora algo em torno dos 20m de comprimento (estou chutando valores para fins didáticos). O barbante é o DNA e os pedaços de madeira, as proteínas histonas. O conjunto é chamado de cromatina. O problema é que nosso DNA é tão grande que só esse procedimento, muitas vezes, não é o suficiente para uma compactação satisfatória. É nesse momento que a cromatina se enrola sobre ela mesma, formando o chamado cromossomo.
A molécula de DNA se enrola nas histonas, formando a cromatina, que por sua vez enrola-se sobre si mesma, formando o cromossomo.

Agora que já sabemos o que é um cromossomo, vale a pena ressaltar que nós temos 46 deles. São 46 pedaços de DNA enrolados, formando 46 cromossomos, dos quais 44 são chamados de autossomos e 2 são cromossomos sexuais (X e Y). O sexo humano é determinado desta forma, onde mulheres possuem 44A + XX e homens possuem 44A + XY. Lembrando ainda que metade desses cromossomos veio de nossos pais e a outra metade veio de nossas mães. Esses pares de cromossomos (1 do pai + 1 da mãe) são chamados de cromossomos homólogos.


Pares de Cromossomos Homólogos contém 1 cromossomo vindo da mãe e outro vindo do pai. Reparem o último par (os cromossomos sexuais). O sexo deste indivíduo é masculino.

Bom... agora que já sabemos como a molécula responsável por toda a nossa informação genética é armazenada, vamos entender como ocorre o acesso a essa informação. Em linhas gerais, podemos dizer que as regiões da cromatina que estão mais emaranhadas, chamadas de heterocromatina, são as regiões inacessíveis do DNA, enquanto que as regiões menos emaranhadas da cromatina, chamadas de eucromatina, são as regiões mais acessíveis. Sendo assim, se lembrarmos da postagem sobre genética molecular (acesse aqui), vamos perceber que nosso DNA contém TODA a informação sobre nosso corpo. Entretanto, nem toda essa informação é acessada por uma mesma célula. Uma célula da pele, por exemplo, terá acessível as informações para produção de queratina, melanina, pelos, e todas as outras estruturas necessárias à formação de nossa pele, mas não terá informações sobre neurônios ou células hepáticas acessíveis. Já um neurônio, por exemplo, terá acessível todas as informações necessárias à sua função, que é a de conduzir impulsos nervosos, mas não terá acessível informações sobre a pele ou ossos. No exemplo dado na postagem de genética molecular, se formos considerar o DNA como um manual de construção de uma casa, podemos dizer que as páginas do manual que conteriam informações sobre como construir prédios ou edifícios estariam grampeadas, inacessíveis. Então, sendo assim, tudo o que você poderia ler do manual e executar, seria mais uma casa igual à anterior...
 
É nesse sentido, inclusive, que diferenciamos células-tronco de células adultas. Uma célula-tronco é chamada de célula indiferenciada, no sentido de que ela ainda não se diferenciou, não se especializou. Por esse motivo, ela tem sua cromatina ainda inteiramente acessível, sem nenhuma parte "trancada". É por esse motivo que ela pode se diferenciar em qualquer outra célula. É como se ela tivesse todas as páginas do manual abertas. Ela pode acessar qualquer uma das páginas e construir aquilo que ela desejar. Já uma célula adulta, já sofreu processo de especialização. Ela já trancou algumas de suas páginas e, por isso, não consegue acessar essas informações, sendo capaz de produzir apenas aquilo que ainda está acessível, que não está enrolado nas histonas.

Agora imagine o seguinte: e se você conseguisse "trancar" ou "destrancar" partes da cromatina de um indivíduo deliberadamente? Você seria então capaz de alterar o funcionamento de suas células. Nesse sentido, apesar de não poder alterar o material genético de um indivíduo, você seria capaz de alterar a forma com que ele se expressa, apenas alterando as regiões acessíveis e inacessíveis do mesmo. Essa é a chave da epigenética, tema da próxima postagem dessa série. Não percam!😉

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